Os sócios de limitadas sem prazo, isto é, com tempo indeterminado, podem exercer o direito de retirada imotivada. Em outras palavras, os sócios podem se retirar da empresa mesmo sem terem um motivo que justifique o abandono de suas posições. Caso queiram, portanto, possuem ampla liberdade para sair e exigir o pagamento de suas respectivas quotas partes nos prazos previstos pelo contrato ou pela lei.
Contudo, essa é a pior opção para a empresa, tendo em vista que ela terá que apurar os haveres e provavelmente prejudicar o seu caixa para adimplir com a obrigação perante o sócio que está se retirando. Por isso, a melhor solução para a sociedade é que seja realizada uma operação de venda das quotas para outra pessoa (sócio ou não) sem que a empresa precise arcar com a conta.
Em ambos os casos, seja vendendo ou se retirando, a responsabilidade de quem sai da sociedade é de 2 anos a contar da data em que se averbou a modificação do contrato na Junta Comercial. Nesse período, se a opção tiver sido a venda das quotas, eventual responsabilidade é dividida entre quem comprou e quem vendeu.
E pelo que exatamente o ex-sócio pode ser responsabilizado?
Em regra, o ex-sócio só responde se não tiver cumprido suas obrigações perante a empresa enquanto ainda era sócio. Como a regra é que a responsabilidade seja limitada às quotas ou ações integralizadas, normalmente a possibilidade de o sócio retirante ser chamado a arcar com dívidas envolve algum problema relacionado à própria formação do capital social no momento da criação.
Os sócios se obrigam às contribuições estabelecidas no contrato social, respondendo pelo descumprimento. Havendo previsão de que irão contribuir para a formação do capital social em determinado prazo, é obrigação do sócio cumpri-la ou arcar com eventual dano. Igualmente, como o domínio, a posse e o uso de bens podem ser quantificados em dinheiro para a formação do capital social, o sócio que integralizou suas quotas dessa forma (e não em espécie, por exemplo) também responde caso ocorra a perda dessa posse.
No caso da sociedade limitada, outro exemplo seria a responsabilidade por eventual inexatidão da estimação de bens por qualquer um dos sócios até o prazo de 5 anos do registro na Junta Comercial. Uma vez que o capital social visa à garantia dos credores da empresa, os bens aportados para o início das operações devem equivaler ao que foi declarado no contrato social.
Se constar que cada sócio deve contribuir com, por exemplo, R$ 100 mil e se provar que um carro utilizado para integralização das quotas de um dos sócios vale apenas R$ 30 mil, é possível que o ex-sócio seja chamado para arcar com a diferença perante algum credor. Como há solidariedade, qualquer um pode ser chamado a pagar pela integralidade para só depois ter direito de regresso frente ao sócio que contribuiu errado.
Certo, mas e as dívidas da empresa?
Primeiro, reforça-se a regra empresarial: em caso de limitação da responsabilidade, não se pode atingir o patrimônio dos sócios pelas dívidas da empresa justamente em razão da autonomia patrimonial. Se a empresa é limitada ou S/A, não se pode cobrar valores a mais do que aquilo que o sócio se comprometeu a pagar quando da constituição.
Contudo, é claro, o sócio pode ser responsabilizado em alguns cenários. A situação mais evidente que se pode pensar é quando se prestou garantia em determinadas operações sociais, sendo, por exemplo, avalista em empréstimos. Nesse contexto, caso a devedora, ou seja, a própria empresa, não pague, o ex-sócio pode ser chamado para pagar a integralidade de eventual débito.
Uma segunda hipótese é a possibilidade de o ex-sócio ser chamado a responder por dívidas da empresa se algum credor requerer judicialmente a desconsideração da personalidade jurídica. Para isso, porém, é necessário que se prove ter havido algum abuso, que pode ser configurado a partir do uso da pessoa jurídica para a prática de ilícitos ou pela confusão entre o patrimônio dos sócios/administradores e o da empresa.
Em sentido similar, a lei dispõe que os “diretores, gerentes ou representantes” das empresas são pessoalmente responsáveis por dívidas tributárias quando resultarem de atos com excesso de poderes ou infração à lei ou ao contrato social. Nesse caso, assim como na desconsideração da personalidade jurídica, a responsabilidade é mais ligada à administração do que à posição de sócio.
Com efeito, o STJ já firmou o entendimento de que a falta de pagamento da obrigação tributária não gera a responsabilidade por si só, de modo que há a necessidade de que exista realmente alguma infração. Porém, vale dizer, a sonegação fiscal não é entendida como “mero inadimplemento” da obrigação tributária e enseja a responsabilidade de quem à época ocupava a posição de administrador. Se, por exemplo, a empresa deixa de emitir nota fiscal para não se obrigar a recolher o imposto na operação, há um cenário que possibilita a responsabilização do ex-sócio.
Resumindo o que foi dito, o ex-sócio pode ser responsabilizado por: 1) alguma falha na formação do capital social, como inexatidão dos bens que foram aportados na constituição; 2) ter prestado garantia pessoal a dívidas empresariais; 3) se for provado judicialmente de que se beneficiou de um abuso de personalidade jurídica; e 4) se for provado judicialmente que cometeu alguma infração que terminou em dívida fiscal.
Além dessas hipóteses, existe outra categoria de dívidas que pode ser cobrada do sócio e/ou do ex-sócio da empresa em função de uma previsão legal específica de “responsabilidade subsidiária”. Ou seja, não se trata aqui de desconsideração da personalidade da empresa por eventual prática abusiva, mas de uma fragilidade do instituto da responsabilidade limitada. A ideia é que o crédito do credor é tão importante que o bem jurídico afetado pela falta de pagamento deve ser protegido mesmo contra um preceito básico empresarial.
No caso, a CLT prevê que os sócios respondem subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da empresa. Assim, caso a empresa, que é a responsável pela obrigação, não pague o débito trabalhista, o processo judicial segue para os sócios que estão no quadro social e depois para aquele que se retirou.
De toda forma, assim como em relação às obrigações na formação do capital social perante a empresa e terceiros, essa responsabilidade do ex-sócio se refere apenas a obrigações relativas ao período em que figurou como sócio e só se estende a ações ajuizadas até 2 anos da sua retirada. Ou seja, se a cobrança judicial compreende obrigações em que o sócio não estava na empresa (antes ou depois) ou se tiver sido ajuizada muito depois de sua saída, o ex-sócio não poderá ser responsabilizado.
Apenas persiste a responsabilidade quando houver garantia pessoal em débitos empresariais ou quando houver algum ilícito, hipótese mais relacionada ao cometimento de infração em obrigação tributária. Nessa linha, eventual responsabilidade do ex-sócio da empresa demandaria uma análise caso a caso para compreender se a pretensão do credor está regular ou já prescreveu.