Quando se fala em “dar baixa” da empresa, a ideia é que se formalize o encerramento das atividades produtivas mediante informação à Junta Comercial e a Receita Federal, cancelando, inclusive, o CNPJ. Todavia, não basta que o empresário simplesmente informe o desinteresse na empresa. Uma vez que a sociedade atuou no mercado sendo sujeito de obrigações, deve‑se realizar um procedimento burocrático a fim de principalmente preservar eventuais credores da empresa.
Dissolução, liquidação e extinção da sociedade
A baixa tem três fases: dissolução, liquidação e extinção.
A dissolução, com o arquivamento na Junta Comercial, fixa o marco do encerramento do vínculo societário. O mais comum é que seja realizada de forma extrajudicial, isto é, sem interferência judicial, porém também pode ser realizada por meio do Poder Judiciário em alguns casos. Embora existam algumas hipóteses diferentes de dissolução total, trata-se aqui do distrato, operação pela qual todos os sócios consentem no encerramento.
Com a dissolução, ainda há personalidade jurídica. Os administradores da sociedade dissolvida devem imediatamente providenciar a investidura do liquidante e restringir a gestão aos negócios inadiáveis, havendo vedação a realização de novas operações. Depois disso, a sociedade passa para a fase da liquidação, que, assim como a dissolução, também pode ser judicial ou não.
Por meio da liquidação, vende-se o ativo, paga-se o passivo e partilha-se eventual saldo financeiro aos sócios. O liquidante, que pode ser administrador, tem a função de conduzir os negócios sociais sem realizar novas operações pelo período que a liquidação da sociedade perdurar. É importante dizer que o liquidante também tem o dever de confessar falência ou pedir recuperação quando os bens não forem suficientes paga o pagamento dos credores.
Feita a partilha do saldo financeiro, convoca-se reunião ou assembleia para a prestação final de contas da liquidação. O encerramento dessa fase ocorre com a aprovação das contas do liquidante, momento em que também se deve requerer o cancelamento do CNPJ na Receita Federal. O registro da ata de reunião/assembleia na Junta Comercial, por sua vez, marca a extinção, finalizando formalmente o processo de baixa da empresa.
Responsabilidade por dívidas após a baixa
Pela lei, o credor que não estiver satisfeito somente poderá exigir individualmente de cada sócio o pagamento do seu crédito até o limite da soma recebida em partilha da empresa liquidada e, se for o caso, propor ação de perdas e danos contra o liquidante. Se a sociedade for limitada, a responsabilidade dos sócios se restringe ao valor de suas quotas, motivo pelo qual, em regra, não será possível atingir seus bens pessoais.
Pense-se em uma sociedade empresária composta por 2 sócios em que cada um integralizou R$ 5 mil em quotas. Caso a empresa tenha utilizado esses recursos para suas operações e seja liquidada com dívidas, isso significa que a perda de cada um dos sócios foi limitada em R$ 5 mil.
Todavia, caso, por exemplo, tenha contraído empréstimos com bancos e o liquidante tenha ignorado os débitos na liquidação, as instituições financeiras, mesmo após a extinção, poderão pleitear seus créditos até o limite do que eventualmente tenha sido partilhado. Caso, após a liquidação, tenha havido, por exemplo, partilha de R$ 50 mil por sócio, os bancos poderão exigir todo esse valor individualmente de cada sócio e propor perdas e danos contra o liquidante.
Extrapolando a partilha do saldo, o maior risco ao patrimônio pessoal seria eventual responsabilidade subsidiária em obrigações trabalhistas relativas ao período em que figurou como sócio. No mais, a responsabilização pessoal depende de desconsideração da personalidade jurídica pelo cometimento de algum abuso ou quebra de deveres do cargo de administrador.
Responsabilidade do administrador por dissolução irregular
De início, vale explicar que o STJ tem entendimento que a falta de localização da empresa no domicílio fiscal gera presunção de “dissolução irregular”. Ou seja, a empresa não pode simplesmente desaparecer do mapa para não ser encontrada pelos seus credores.
Além da responsabilidade subsidiária trabalhista, o risco em relação aos sócios que não possuem poderes de administração à época da dissolução irregular reside em eventual configuração de abuso. A personalidade jurídica da empresa pode ser desconsiderada caso se prove algum desvio de finalidade ou confusão patrimonial por parte do sócio, como, por exemplo, o uso pessoal dos recursos da PJ antes do pagamento dos credores. Não se trata de um redirecionamento, mas de um incidente que precisa ser instaurado para comprovação de que o sócio se beneficiou do abuso da personalidade jurídica.
Entretanto, quando tratamos de sócios ou terceiros que possuam poderes de administração, existe um risco de que eventual execução de dívidas contra a empresa seja redirecionada para a pessoa física do administrador sem que tenha cometido ou se beneficiado de qualquer abuso de personalidade jurídica.
Responsabilidade do administrador por dívidas fiscais
Independentemente das razões pela quais um Estado existe, demandará recursos para executar políticas públicas, proteger o patrimônio, a economia, dentre outras funções, motivo pelo qual não pode deixar de cobrar pelos tributos não pagos pelos contribuintes. Se uma sociedade é dissolvida irregularmente, entende-se pela ocorrência de infração à lei, o que, por sua vez, possibilita uma responsabilidade pessoal do infrator e um redirecionamento de eventual execução para a pessoa física do administrador.
Recentemente, o STJ firmou entendimento de que o sócio que gerenciava a empresa à época da obrigação tributária, isto é, aquele que deveria inicialmente ter pago o tributo, não deve responder pelos débitos fiscais em caso de afastamento da empresa anterior à dissolução irregular. A existência de uma dívida tributária por si só não é suficiente para configurar o ato ilícito necessário para a responsabilização pessoal do administrador.
Apenas o administrador que participou do fechamento irregular da sociedade poderá responder pessoalmente pela dívida fiscal, ainda que não tenha pertencido ao quadro societário ou administrativo quando foram praticados os atos tributáveis que resultaram na dívida. Portanto, entende-se que a ilicitude necessária para o redirecionamento da execução fiscal reside na prática da dissolução irregular de uma sociedade empresária endividada e não propriamente no inadimplemento da obrigação tributária.